Animais do Pantanal aprendem a ‘mendigar comida’ para sobreviver na seca

05 outubro – 2021 | 7:07
Macaco com a pata estendida; primatas aprenderam a 'pedir comida' aos humanos em meio à situação adversa no Pantanal, dizem ONGs — Foto: Fundação ecotrópica/via BBC

Oferta menor de alimentos naturais e necessidade de intervenção humana têm tido impacto no comportamento dos bichos; ‘a fome não é tão escandalosa quanto o fogo (dos incêndios), mas seu efeito é ainda mais devastador’, diz integrante de fundação pantaneira.

A sucessão de eventos adversos no Pantanal, que sofreu incêndios devastadores em 2020, perdeu parte importante de sua superfície de água e vive seca histórica neste ano, pode estar tendo efeitos nos hábitos dos animais que vivem ali – a começar pela oferta de comida disponível a eles.

Embora estabelecer (ou não) uma relação causal direta dependa de estudos aprofundados, profissionais que atuam no Pantanal observam algumas mudanças.

“O fogo pode estar menos intenso (neste ano), mas a fome e a seca estão mais presentes”, diz à BBC News Brasil Ilvanio Martins, presidente da Fundação Ecotrópica, que gerencia quatro reservas ambientais no Pantanal – uma delas praticamente inteira consumida pelas queimadas no ano passado.

“A fome não é tão escandalosa quanto o fogo, mas seu efeito é ainda mais devastador. Ela é severa e silenciosa. E afeta toda a cadeia (ecológica). A árvore que queimou não floriu; as que floriram não germinaram tantas sementes, e daí conseguem alimentar uma quantidade menor de pássaros e roedores“, ele relata.

Um exemplo são as árvores de ipê, que segundo Martins são fonte de alimento aos animais. “E a florada dos ipês foi muito mais tímida neste ano.”

Estão fazendo falta também muitas palmeiras que alimentavam e abrigavam araras azuis e roedores.

Segundo Jorge Salomão, veterinário da organização Ampara Animal Silvestre no Pantanal, muitos animais haviam tido sucesso em se adaptar ao ambiente após os incêndios do ano passado: se deslocando e migrando para outras áreas do bioma, eles conseguiam, de alguma forma, se alimentar.

“O que complicou muito, neste ano, foi a seca”, explica o veterinário à BBC News Brasil.

“Então os animais saíram de uma situação crítica (de fogo) e emendaram na seca mais intensa dos últimos dez anos.”

Mudança de hábitos e ‘mendicância’

Integrantes da Fundação Ecotrópica preparando alimentos a serem cedidos aos animais; seca reduziu a oferta de comida natural — Foto: Fundação Ecotrópica via BBC

A seca reduz as áreas naturais disponíveis para os animais se banharem, tomarem água e se alimentarem.

Ilvanio Martins conta que, em uma de suas visitas recentes a campo, em setembro, se deparou com “animais debilitados, perambulando”.

“Quando esses animais não encontram a água que antes estava ali, eles se desorientam.”

Além disso, nos pontos em que a água deixou de fluir com a mesma intensidade de antes, os peixes não conseguiram se reproduzir no mesmo volume, ele explica. Portanto, deixaram de ser fonte de alimentos para as aves.

Segundo Martins, a consequência é que parte dos animais precisou mudar de hábitos para obter comida. Alguns passaram a “furtar” alimentos de cozinhas e restaurantes ou de locais dos quais antes não ousariam se aproximar.

Outros passaram a comer alimentos diferentes do que normalmente comeriam. “Vimos macacos e periquitos comendo manga verde, que não seria parte da dieta deles.”

Macacos passaram, também, a estender a pata a humanos, pedindo comida – “como se fossem mendigos”, diz Martins –, porque descobriram que são capazes de conseguir alimentos dessa forma.

Para o veterinário Jorge Salomão, porém, esse comportamento dos macacos vem do fato de eles terem se condicionado a contar mais com os alimentos distribuídos pelos humanos.

“Teve essa mudança de comportamento, mas acho que ela se deve muito ao assistencialismo feito no ano passado (para minimizar os danos dos incêndios)”, explica.

“Os primatas aprendem muito rápido, passaram a pegar comida da mão da gente. Mas eu acho que é uma alteração comportamental mais por eles terem perdido o medo de se aproximar do que pela dificuldade (em conseguir comida).”

O zootenista Thiago Graça também notou mudanças de hábito “absurdas e não naturais” dos animais por culpa da escassez.

Ao verem a comida ofertada pelos humanos, “os animais chegam com uma voracidade alarmante, com o desespero da fome”, diz Graça, que é técnico da organização GRAD (Grupo de Resgate de Animais em Desastres).

“O Pantanal perdeu muita árvore frutífera, muito material verde e muita fauna também. Não é natural eles se aproximarem tanto da gente.”

Na opinião da bióloga e zoóloga Daniella França, da organização pantaneira Chalana Esperança, os animais parecem estar passando fome em consequência da seca e dos incêndios, mas os relatos ainda precisam ser analisados caso a caso e devidamente estudados para estabelecer uma relação causal.

“O que podemos fazer, por enquanto, é nos basear em situações que já tenham ocorrido no passado e, é claro, tentar ajudar com a dessedentação (combate à sede) e alimentação em locais estratégicos, como fizemos no ano passado, mas sempre aprendendo com os erros”, diz ela.

Do ponto de vista técnico, ela explica, isso passa por evitar ao máximo dar alimentos errados para alguns tipos de animais (por exemplo, alimentos que possam expor os bichos a bactérias às quais não estão acostumados) ou deixar a comida muito perto da rodovia Transpantaneira (onde os animais correm o risco de serem atropelados).

Portanto, diz ela, a oferta de comida tem de passar pelo crivo de especialistas no ecossistema pantaneiro.

Essa oferta humana – especializada – de alimentos e água tem sido necessária, explicam as organizações, para amenizar a situação crítica de animais neste momento.

A Ampara Silvestre tem alugado caminhões-pipa que comportam 50 mil litros de água para irrigar lugares onde habitualmente haveria água natural e que, portanto, são frequentados pelos animais.

Esses animais sofreram tanto impacto direto – como ferimentos ou morte – ou indireto, pela perda de seu habitat.

Neste ano, a seca provoca quedas históricas nos níveis dos rios pantaneiros e traz risco de devastação ainda mais grave, segundo ambientalistas ouvidos pela Câmara dos Deputados em julho em audiência na Comissão de Queimadas nos Biomas Brasileiros.

“Desde o fim da década de 1990, o período seco tem ficado mais seco e também o período chuvoso tem ficado mais seco”, disse na audiência, segundo a Agência Câmara, Gilvan de Oliveira, coordenador de Ciências da Terra do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

“De 2010 em diante, temos um predomínio de chuva abaixo da média. Então algo realmente está acontecendo no Pantanal, e obviamente chama a atenção o período 2020-2021. Neste ano, não é possível somente fazer orientação ou informativos: têm que ocorrer ações efetivas”, disse.

Segundo dados de satélite analisados pela organização MapBiomas, o Pantanal – que é a maior planície úmida do planeta – perdeu 29% de sua superfície alagada nos últimos 30 anos.

A seca prejudica a reprodução de animais, como peixes, e propicia que mais incêndios ocorram.

Com a oferta humana de alimentos, “estamos atendendo uma demanda emergencial neste período de seca, que espero que pare quando a chuva volte”, afirma Thiago Graça.

No entanto, a preocupação é que, à medida que o Pantanal fica cada vez mais exaurido, não consiga se regenerar e se preparar para as temporadas de seca futuras.

“A cada ano o Pantanal parece que vai precisar mais da nossa ajuda”, conclui.

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