Política

Fala de Lula distorce a responsabilidade do tráfico e confunde políticas de segurança

Redação
24 outubro – 2025 | 11:11
O presidente Lula durante conversa com a imprensa em Jacarta, na Indonésia - 24/10/2025 Foto: Ricardo Stuckert

Ao criticar a estratégia agressiva dos EUA, presidente reduz responsabilidade de organizações violentas, ignora a cadeia do tráfico e manda sinal político ambíguo às forças de segurança.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em entrevista na Ásia que “os usuários são responsáveis pelos traficantes, que são vítimas dos usuários também”, ao comentar ações dos Estados Unidos contra cartéis no Caribe. A declaração, feita nesta sexta (24), em viagem à Indonésia, gerou reação imediata porque inverte o nexo de responsabilidade ao tratar de organizações criminosas estruturadas como se fossem meros elos passivos de demanda. “Um vende porque o outro compra”, resumiu Lula, ao defender “mais cuidado” no combate às drogas.

Há dois problemas centrais nesse enquadramento. Primeiro, ele dilui a culpa do crime organizado, que não só reage a uma demanda, como impõe territórios, recruta menores, corrompe agentes públicos e financia arsenais. Tratar o traficante como “vítima” do usuário aplana a distinção entre quem explora e violenta e quem, ainda que pratique um ato ilícito, não organiza a cadeia de violência. Segundo, a fala embaralha a política pública, que precisa diferenciar com clareza saúde (usuário) e segurança/Justiça (tráfico, lavagem, armas, corrupção) — dois eixos que devem ser complementares, não concorrentes.

O contexto geopolítico também importava. Lula respondia à escalada do governo Trump, que tem usado operações militares contra embarcações suspeitas de narcotráfico e propõe tratar cartéis como “narcoterroristas”. Ao rebater a retórica beligerante, o presidente poderia defender uma estratégia mais inteligente — com inteligência financeira, cooperação policial e interdição de armas e precursores químicos. Em vez disso, tropeçou na mensagem ao sugerir que traficantes seriam vítimas, deixando o foco do debate na frase infeliz.

Do ponto de vista prático, o que a declaração não enfrenta:

  • Cadeia econômica do crime (do financiamento ao varejo), que lucra com câmbio, rotas fronteiriças e lavagem de dinheiro — não é “vítima”, é agente ativo.
  • Governança criminal em territórios: facções controlam áreas, impõem regras e punem. Reduzir isso a uma relação “vende/compra” empobrece o diagnóstico.
  • Política integrada: descriminalização de usuário (saúde) não exclui repressão qualificada a tráfico, armas e lavagem. O governo deveria explicitar esse binômio, não embaralhá-lo.

Em comunicação pública, palavras organizam prioridades. Ao usar “vítima” para quem comanda a violência, o Planalto fragiliza o discurso normativo e dá munição a adversários. É possível — e desejável — criticar excessos militares dos EUA sem relativizar o papel do crime. O caminho responsável passa por dados e foco: asfixia financeira de organizações, cooperação internacional, controle de fronteiras e insumos, polícia orientada por inteligência e tratamento do usuário como questão de saúde — com metas, orçamento e transparência.

Em resumo, o presidente tinha um ponto ao criticar a política de confronto armado como solução prioritária, mas errou o alvo: traficante não é vítima, é vetor do crime. O Brasil precisa de sintonia fina entre saúde e segurança — e de uma mensagem clara para quem está na ponta da lei e para quem vive sob a mira das facções.

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